quinta-feira, 24 de abril de 2008

Quando um crocodilo come o sol

Ontem foi o “Dia Mundial do Livro” e como Ler é o que mais gosto de fazer, deixo aqui algumas notas sobre o último livro que li : “Quando o crocodilo come o Sol” , escrito por Peter Godwin, um jornalista que nasceu e cresceu na Rodésia /Zimbabué e relata vivências reais da população branca e negra, entre 1996 e 2004.
A história centra-se na família do autor, a mãe, médica, o pai, engenheiro e no círculo de amigos e conhecidos, brancos e negros, que sofrem os efeitos de uma política desastrosa e de políticos corruptos, de uma inflação que ronda os 7500% ( admite-se que em 2008 é de 100 000% !). Trata também da esperança nas eleições de 2004, em que o partido da oposição, o MDC, parece ter vencido a ZANU-PF, partido do poder. Mas não “venceu” … (em 2008, será que a história se repete?)
Fala-se dos dramas vividos por fazendeiros brancos que vêem as suas terras ocupadas por bandos de “veteranos de guerra” - alguns nascidos depois da guerra de independência…(as terras que lhes restavam depois de 60% da terra ter sido desapropriada e redistribuída com indemnizações ao preço do mercado). Fala-se dos negros e brancos que, no quadro do MDC, lutam para reequilibrar a economia e o poder. Fala-se da coragem de brancos e negros para sobreviverem. Mas conta-se também que nem sempre foi assim: Robert Mugabe foi um líder nacionalista respeitado que lutou pela independência real do país e constituiu, em 1980, um governo que estimulou a integração branca ( o ministro da agricultura era branco) e elevou a país, nos 10 anos seguintes, ao mais desenvolvido da África meridional – “O celeiro de África”, dizia-se. O descalabro começou em 2000.
Também se conta um pouco da história da colonização branca, de como 1% da população dominava, antes da independência, a economia e o governo. Desde Cecil Rhodes que distribuiu aos seus pioneiros parcelas de terra para cultivo, compensando a frustração do ouro que não encontraram, passando pela aquisição de terras à Companhia Britânica da África do Sul (autoridade colonizadora), sem que as autoridades tribais fossem recompensadas. Os “nativos” foram sendo empurrados para reservas … Só que, em 1895, eram aproximadamente 600 000 mas em 1945 já eram mais de 4 milhões e a população branca, 1%, ocupava mais de metade dos terrenos agrícolas.
E não deixa de ser interessante pensar na violência desta ocupação branca de terras quando, numa agricultura de subsistência, a posse de terra é um conceito estranho. Para um africano do sec.19 e de grande parte do séc.20, “comprar terra” é “loucura de branco” porque “não se compra o vento, a água ou as árvores”.
E, já agora, a razão do título: “ Quando o crocodilo come o Sol» é o modo como alguns povos tribais do Zimbabué explicam o eclipse solar ; segundo eles, um crocodilo celestial consome em pouco tempo a estrela que gera a vida, numa demonstração do seu desencanto pelo homem”.

Sendo tão incerto o futuro próximo do Zimbabué, vale a pena ler este livro para compreender melhor o que aí vem.

Notas:
- A Rodésia foi fundada por Cecil Rhodes, em 1895 e integrada, com a Niassalândia, na Federação da África Austral
- Em 1963 desfez-se a Federação e o Reino Unido concedeu a independência à Rodésia do Norte (Zâmbia) e à Niassalândia (Malawi) mas recusou fazê-lo à Rodésia do Sul, governada por uma minoria branca que, em 1965, proclamou a independência unilateral
- A luta pela independência negra durou até 1980 (com o apoio de Moçambique já independente) e, em 1987, Robert Mugabe é eleito chefe de Estado
- O povo do Zimbabué é constituído por bantos/ shonas e por ndebeles/zulus.

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