sábado, 10 de maio de 2008

O HOMEM DO SACO

Os adultos têm, por vezes, o péssimo hábito de criar medos nas crianças inventando “fantasmas” que entram em acção sempre que a criança sai da norma.
Eu tive o “homem do saco”: quando não comia, quando fugia de casa, quando não queria dormir cedo, quando ia brincar com o meu macaco e com a cadela da vizinha por quem ele estava apaixonado e nunca mais voltava para casa … lá vinha o “homem do saco”. Verdadeiro, tamanho natural, saco de serapilheira ambulante com a função de ser “despido “ do próprio para me enfiar nele e me levar para parte incerta. Lembro-me dele à porta da casa de jantar quando eu não queria comer, a “encontrar-me” sempre que me escondia na goiabeira de uma casa próxima onde gostava de me empoleirar e comer goiabas verdes, a correr atrás de mim pela rua, a assomar ao muro da vizinha quando me rebolava por lá com a cadela e o macaco.
Um dia, vi aquele pesadelo despir o saco: era o meu cozinheiro que fazia os melhores sonhos de bacalhau que já comi e de quem gostava muito – fazia-me carrinhos com madeira e rodas de sementes, deixava-me provar o peixe frito com óleo de dendém e funge de milho , colava com o funge as solas dos meus sapatos …
A descoberta foi um alívio e uma desilusão.
E também foi muito triste, pouco tempo depois, assistir ao desgosto do meu macaco quando a cadelinha morreu atropelada e ele enlouqueceu – mordeu na minha mãe e nunca mais o vi. Durante muitos anos, nunca mais tive quem me fizesse festinhas na cabeça e me mordesse o cabelo.
Não deixei de fugir rua acima nem de trepar à goiabeira … Mas, pouco tempo depois, mudámos de casa e o meu pai trouxe o Zé Maria para tomar conta de mim.

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