sexta-feira, 6 de junho de 2008

Uma sociedade matriarcal



Li, há tempo, um livro que achei muito curioso – “ O Reino das Mulheres – o último matriarcado” de Ricardo Coler.
O autor escreve sobre o último dos matriarcados e sobre os seus costumes e valores. Trata-se de um grupo étnico da China, os Mosuo, que vivem na região de Loshui, nas margens do lago Lugu, um dos maiores lagos de montanha da Ásia.
Quando se pensa numa sociedade matriarcal, imagina-se uma sociedade com os papéis invertidos, com as mulheres exercendo o poder e as actividades dos homens, e estes a tratar de crianças e da casa… Não é assim. O que caracteriza esta sociedade matriarcal é a existência de uma matriarca que organiza a totalidade das actividades da família e trata do património e da administração do dinheiro. Por isso, os Mosuo distinguem-se de outras sociedades, que ainda hoje são dominadas pelas mulheres, como os Nogovisi de uma ilha junto à Papua-Nova Guiné e os Khasi, no nordeste da Índia (onde existe também o único movimento do planeta para a “emancipação masculina” – apoiado pela Igreja Católica…).

Os Mosuo são originários do Tibete e emigraram para a região onde hoje habitam, antes da era cristã. A passagem dos exércitos mongóis (sec.XIII) deu à população os traços fisionómicos actuais. São budistas tibetanos, da ordem dos “gelugpas”, respeitam o Dalai Lama e o Lama Pachen.

A família é constituída pelos elementos do mesmo sangue: mãe (matriarca), filhas, filhos e sobrinhos vivendo na mesma casa. A figura do pai é desconhecida, mesmo que as mães o saibam ou mesmo que toda a comunidade o saiba. Quando as filhas atingem a puberdade, são-lhes construídos quartos individuais, à volta do pátio comum, para que possam ter a intimidade necessária às relações livres com os homens das outras famílias – relações sobretudo ocasionais, das 24h às 6h da manhã (quando todos os homens devem regressar às suas casas…). Excepcionalmente, há “relações
abertas”, de maior duração, conhecidas por toda a comunidade.
Como são uma minoria étnica, o governo chinês permite aos Mosuo ter 3 filhos e uma família é mais ou menos próspera, quanto menos rapazes nascerem.

As mulheres trabalham a terra, tratam do gado e da casa, lavam a roupa no lago, cuidam das crianças, preservam o património e administram o dinheiro. Os homens tomam as “grandes decisões” a que as mulheres não dão importância: “ comprar um touro, ampliar a casa, investir em terra, fazer uma viagem”. “Para isso têm habilidade e tiram-nos um problema de cima” – diz uma matriarca. Na verdade, os homens não têm obrigações: são cuidados pelas mães ou pelas irmãs, brincam com os sobrinhos e, se forem rapazes, podem dar-lhes alguma educação; constroem os quartos para as irmãs, quando chega a altura. Quando falam da sua convivência com as mulheres só pensam na mãe e nas irmãs até porque é indecoroso falar de relações íntimas.
Não se pense que as mulheres não são femininas. Fazem questão de estar bonitas e de serem apreciadas pela comunidade local e pelos homens de outras comunidades. O que as une a um homem é só o afecto e as separações fazem-se sem zangas e sem ciúmes. Dos homens querem o mais comum:” que cuidem de nós, nos protejam e nos dêem atenção” …
Os Mosuo são pouco agressivos e envergonham-se de qualquer acto de violência. Quando há problemas graves, o “chefe da comunidade” (eleito pelas matriarcas), intervém – fora essa actividade é um homem com as mesmas desobrigações dos outros.

Eles são aparentemente felizes e não pretendem abdicar das suas tradições – mesmo quando vão estudar noutras comunidades, regressam e valorizam a sua – diz o autor. Pode não ser bem assim mas talvez valha a pena pensar nas razões que não propiciam a violência, a agressividade, o ciúme.
É sobretudo importante percebermos que há formas de viver profundamente diferentes que devemos respeitar.

1 comentário:

ZIA disse...

Obrigada por, mais uma vez , partilhares as tuas leituras e por trazeres assuntos novos e diferentes. Já vi há muito tempo uma reportagem sobre este grupo étnico e achei muito curiosa a forma como se organizam e como o masculino e o feminino se equilibram de forma mais equitativa.
E que belos trajes os destas mulheres!
Abraço
ZIA